Preparado para ser pai?
O mesmo tempo que maldissemos e que, ainda assim, tão generosamente nos sugere pensar em outra pergunta: você está preparado para amar?
Pelo WhatsApp, um amigo maldizia o tempo arrastado das últimas semanas de gravidez da sua esposa. Ansioso, como não poderia deixar de ser, esperava por algum sinal do seu primogênito. Um menino, Francisco. Que as contrações começassem no meio de um dia modorrento, ou que talvez a bolsa estourasse depois da pizza de domingo, e assim, saíssem às pressas para a maternidade.
Estava ele à espera da generosidade do tempo, cuja percepção de gentileza dependia unicamente das expectativas. São elas, essas intempéries da vida — muitas vezes indomáveis —, que regulam nossa ânsia pela chegada de alguém. Mas expectativas em semanas que antecedem o nascimento de um filho são irremediavelmente exacerbadas, acentuadas e inescapáveis.
Por isso eu não só entendia a sua maledicência, como também compartilhava daquele mesmo sentimento. Maldissemos então o tempo e, com mais vigor ainda, a curiosidade alheia, quando o pai do Chico confessou que não aguentava mais responder se estava preparado pra ser pai. “E o que é estar preparado pra ser pai, cara?”, perguntou pelo WhatsApp.
Curioso, mas foi exatamente o que me perguntei no dia em que encontrei com o vizinho C. no elevador. Eram as últimas semanas de gestação e a ansiedade crescia mais rápida que o tempo. A chegada de Flora já havia dominado os trending topics dos grupos da família, os papos dos cafés e almoços e cervejas com os amigos.
E, claro, os encontros com vizinhos, como o querido C.
— Olha o papai fresco aí — me deu as boas-vindas enquanto a porta do elevador abria lentamente.
— Boa noite, C.! — digo e aperto o quinze.
— Sua esposa está com quantas semanas mesmo?
— Trinta e cinco — respondo, na ingênua esperança de que a conversa não fosse passar das trinta e cinco semanas.
— Já aprendeu a trocar fralda?
— Já, claro! Fiz um curso para pais de primeira...
Eu iria dizer “viagem”, um curso para pais de primeira viagem.
— E o banho? — logo emendou. — Rapaz, te explicaram sobre os cuidados com a moleira da criança? — Pergunta, eufórico, estendendo o braço na minha direção. — Eu conheço um...
Interrompo, tento mudar de assunto.
Aquele papo já estava indo longe demais para um papai fresco, imerso numa ânsia que parecia aumentar a cada pergunta. Apelo para o velho clichê: reclamo dessa terrível onda de calor, e aproveito para avisar que uma frente fria chegaria na sexta, derrubando as temperaturas — “haja saúde, não?”.
Não, não resolve: o vizinho C. ri num rápido tom de lamento e, rápido também, resgata o assunto que tentei desviar.
— E vem cá — diz com voz baixa, segurando a porta do elevador — preparado pra ser pai?
Até hoje eu não sei o que o vizinho C. esperava como resposta. Para ser sincero, até hoje eu não sei o que seria estar preparado para ser pai, mesmo já sendo pai. Também desconheço a existência de um manual que ateste sua aptidão para a paternidade (e, se existir, desconfie). Porque a paternidade é uma construção diária que se dá entre o acerto e o erro, sob a regência do tempo.
Do tempo, veja você. O mesmo tempo que maldissemos e que, ainda assim, tão generosamente nos sugere pensar em outra pergunta: você está preparado para amar?
Amar sob condições adversas: nas madrugadas em claro, no desespero do choro indecifrável, nas crises de cólica, na angústia da dúvida entre o remédio para gases ou ligar para a pediatra; amar sob o medo e a culpa, esses fantasmas que sempre rondam, sob os sentimentos que muitas vezes você nem saberá dar nomes, amar sob o tempo que falta, sob o cansaço que reflete toda manhã no espelho.
Amar é piegas, você pensa; porém, é indissociável à paternidade. E o que eu posso fazer? Além do que, eu não ficaria em paz se terminasse esta crônica sem falar desse amor que se manifesta das maneiras mais impensáveis possíveis. A principal delas, pelo menos na visão do pai da Flora, diz sobre o processo de desconstrução do seu ego em razão do outro. Do movimento de sair do centro do seu próprio mundo para orbitar o mundo de outro alguém.
E, ainda assim, sentir-se muito feliz.